Publicado por: Laboratório de Limnologia/UFRJ | julho 13, 2023

Quais são as regiões com maior qualidade de hábitat para as aves endêmicas da Mata Atlântica hoje e no futuro?

Por Artur Malecha Teixeira

A Mata Atlântica é um bioma extremamente biodiverso, incluindo uma variedade de hábitats e fitofisionomias. A riqueza de aves é invejável, contendo cerca de 893 espécies em todo seu território, sendo 215 consideradas endêmicas. A diversidade de cores e formas varia desde uma pequena e deslumbrante saíra a um vistoso e barulhento papagaio. Contudo, assim como em todos os países capitalistas, a predação de recursos naturais culminou em uma severa degradação dos ambientes naturais, em especial a Mata Atlântica. Atualmente, restam apenas cerca de 28% do bioma, predominando em sua maioria fragmentos de floresta pequenos e isolados. A rica biodiversidade que ainda resiste às ameaças e às severas pressões antrópicas presentes na Mata Atlântica, fazem com que ela seja considerada um Hotspot de biodiversidade global.

Nos últimos anos, as mudanças climáticas revelaram-se como uma das principais ameaças à biodiversidade. Seus impactos e riscos são inúmeros e muito bem estabelecidos na comunidade científica. Para a biodiversidade, mudanças drásticas no clima podem ter consequências severas. Como as espécies estão adaptadas a determinadas condições ambientais, alterações nos padrões climáticos podem fazer com que regiões que antes mantinham um clima adequado para determinadas espécies, passem a ser inadequadas. Nesse contexto, as espécies podem ter que se deslocar para encontrar as regiões que mantêm o clima adequado para sua permanência. Algumas projeções já foram feitas para estimar as alterações na área de distribuição de aves endêmicas da Mata Atlântica, sendo prevista uma redução média de cerca de 51% da área de distribuição total dessas espécies em 2050, em um cenário de mudanças climáticas severas.

Essa perda, que já é extremamente significativa e preocupante, pode ser, na realidade, ainda maior quando constatamos que as mudanças climáticas não são a única ameaça influenciando a ocorrência das espécies, uma vez que dentro da área considerada climaticamente adequada para elas, também existem ameaças antrópicas e áreas degradadas.

Hábitat é essencialmente um local que cumpre os requisitos para a permanência e sobrevivência dos indivíduos de uma espécie. Para as aves da Mata Atlântica, hábitat pode ser, por exemplo, uma região de mata densa, campos de altitude, restingas e manguezais. Para a sobrevivência de uma espécie é evidentemente necessário que seu hábitat ainda exista. Nesse sentido, a perda de hábitat devido a mudanças de uso e cobertura do solo é o principal impulsionador da extinção de espécies no planeta. Essas mudanças correspondem à conversão de terras com vegetação natural em áreas de uso antrópico como agropecuária, áreas urbanas e mineração.

A intensidade do impacto causado por determinada ameaça antrópica sobre um hábitat pode ser definida pelas características intrínsecas das espécies. Para compreender isso, podemos pensar na característica grau de dependência florestal. Algumas espécies dependem muito da existência de mata conservada para sobreviverem, como, por exemplo, o Uru, um pequeno galináceo que vive no solo de florestas. Por outro lado, o Tiê-sangue, um pequeno pássaro com plumagem exuberante, é pouco dependente de floresta e pode ocorrer também em áreas de vegetação aberta e até urbanizadas. Considerando essas diferentes características, é fácil imaginar que o Uru é mais vulnerável à conversão de florestas em áreas de agricultura do que uma espécie como o Tiê-sangue. Outro exemplo de características das espécies determinando sua vulnerabilidade pode ser o período de atividade. Uma ave com hábitos noturnos, como uma corujinha-sapo, provavelmente sofre mais com a luminosidade artificial das áreas urbanas do que uma espécie estritamente diurna.

Diante de um cenário caótico para a biodiversidade, onde as ameaças parecem vir de todos os lados e das mais diferentes formas, é fundamental a identificação das áreas adequadas para as aves endêmicas da Mata Atlântica hoje e no futuro. Áreas adequadas para uma espécie são as regiões que cumprem seus requisitos climáticos, possuem seu hábitat preferencial e estão distantes das ameaças que mais a afetam. Ao analisarmos todas essas frentes de forma conjunta, podemos ter maior precisão para a tomada de decisões em prol da conservação das espécies.

Nesse contexto, se insere o meu projeto de mestrado, que é centrado na aplicação do modelo Habitat Quality (HQ) do software InVEST para analisar a qualidade do habitat de 151 aves da Mata Atlântica, complementando mapas de distribuição das espécies já elaborados através de modelagem. Esse modelo é extremamente útil, pois permite associar um mapa de uso e cobertura do solo com diferentes potenciais ameaças às espécies, como rodovias, áreas urbanas e agropecuária. Para melhor representar a realidade, a intensidade das ameaças varia de acordo com as características intrínsecas das espécies e com a distância da fonte do impacto ao hábitat, gerando um gradiente de degradação. A utilização dessa abordagem integrativa, incluindo mudanças climáticas, mudanças de uso e cobertura do solo e características intrínsecas das espécies, só é possível graças ao grande acúmulo de conhecimento sobre as aves da Mata Atlântica gerado por tantos pesquisadores de nosso país.
Essa metodologia pode contribuir na identificação e quantificação das áreas com maior qualidade de hábitat para as aves no presente e no futuro. Toda pesquisa na área da conservação traz uma contribuição, mesmo que singela, para caminharmos em um mundo mais rico em biodiversidade. A luta em defesa da biodiversidade não deve ser uma tarefa individual, e sim uma luta coletiva.


Referências:
● ICMBio, 2018. Sumário Executivo do Plano de Ação Nacional para a Conservação das Aves da Mata Atlântica. Brasília.
● Myers, N., Mittermeler, R.A., Mittermeler, C.G., Da Fonseca, G.A.B., Kent, J., 2000. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403, 853–858. https://doi.org/10.1038/35002501
● Natural Capital Project. Stanford University, ano. Habitat Quality Model.. Disponível em: https://naturalcapitalproject.stanford.edu/software/invest-models/habitat-quality. Acesso em: 09/07/2023.
● Rezende, C.L., Scarano, F.R., Assad, E.D., Joly, C.A., Metzger, J.P., Strassburg, B.B.N., Tabarelli, M., Fonseca, G.A., Mittermeier, R.A., 2018. From hotspot to hopespot: An opportunity for the Brazilian Atlantic Forest. Perspect. Ecol. Conserv. 16, 208–214. https://doi.org/10.1016/j.pecon.2018.10.002
● Vale, M.M., Souza, T. V, Alves, M.A.S., Crouzeilles, R., 2018. Planning protected areas network that are relevant today and under future climate change is possible: The
case of Atlantic Forest endemic birds. PeerJ, 1–20. https://doi.org/10.7717/peerj.4689

Sobre o autor:

Artur Malecha é formado em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, desenvolve um projeto de mestrado no Programa de Pós-graduação em Ecologia e Evolução da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A pesquisa é sobre o impacto das mudanças de uso e cobertura do solo e das mudanças climáticas sobre a qualidade do hábitat de espécies de aves endêmicas da Mata Atlântica.


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