Publicado por: Laboratório de Limnologia/UFRJ | novembro 30, 2023

MICROPLÁSTICOS ENCONTRADOS EM ÁGUA DE NUVEM PODEM INFLUENCIAR O CLIMA LOCAL

Théo Arueira, João Pedro Sá, Arthur Bouckorny e Prof. Dr Maurício Mussi Molisani

Os textos de novembro foram escritos por alunos de pós-graduação do Programa Pós Graduação em Ciências Ambientais e Conservação (PPGCIAC), no contexto da disciplina de Poluição Ambiental lecionada pelo Professor Dr. Maurício Mussi. O texto de hoje foi escrito pelos autores Théo, João Pedro e Arthur onde resumem os resultados encontrados em um novo estudo sobre a influência de microplásticos sobre ciclo da água e os impactos disso para o clima. O texto está imperdível, confira:

Em novo artigo publicado na revista Environmental Chemistry Letters, Wang et al. (2023) descrevem a ocorrência de microplásticos em amostras de água das nuvens, coletadas entre 1300 e 3776m de altitude nos entornos dos montes Fuji e Oyama, no Japão. Este é o primeiro estudo a registrar a ocorrência de microplásticos em nuvens no limite da camada atmosférica e/ou na troposfera, e se destaca por apontar novas formas de interação entre esses poluentes e o sistema em que se inserem, incluindo seus potenciais de influência sobre o clima local.

Os microplásticos são plásticos menores do que 5mm e podem ter composições e estruturas químicas muito diversas, o que confere esses resíduos, formas e propriedades físico-químicas distintas. Para determinar a exata fonte de onde se originam os microplásticos, seria necessário compreender a distribuição espacial e o tipo dos micropoluentes que ocorre em uma determinada região, além de informações socioeconômicas e ambientais da área (Silva, V. C. et al. 2023). Todavia, as fontes mais comuns para o aporte de microplásticos estão associadas a indústria de cosméticos, ao descarte de sacolas plásticas e de demais produtos de uso pessoal, além de partículas liberadas pela degradação dos pneus automotivos. Esses pedaços de plástico, por sua vez, têm sua entrada facilitada no ambiente natural, pelo escoamento de águas não tratadas e pela falta de manejo correta dos resíduos sólidos (Microplastic in Terrestrial Envirorment 2020).

Os materiais plásticos já são considerados quase onipresentes no mundo contemporâneo. Estimam-se que 10 milhões de toneladas de plásticos entrem nos oceanos anualmente, e que 79% do estoque global de plásticos esteja depositado em aterros sanitários. Os microplásticos também têm sido registrados em diferentes compartimentos bióticos e abióticos globalmente, destacando-se sua ocorrência em pulmões e trato digestivo de animais selvagens, sangue e placenta humana, e na água e sedimento de rios e mares, além dos solos dos ecossistemas terrestres. Mais ainda, os microplásticos também tem sido registrados em aerosóis e partículas em suspensão no ar, e não haviam sido registrados em águas de nuvem até o momento. Uma importante via de transporte dos microplásticos é a troposfera livre, a faixa mais interna da atmosfera terrestre, na qual fortes correntes de vento conectam localidades distantes, permitindo a difusão de poluentes a nível global. 

O artigo registra nove tipos de polímeros de microplásticos em água de nuvens, com tamanhos e concentrações distintas para cada grupo. As concentrações de fragmentos de microplásticos encontrados nos três sítios amostrais (6.8, 6.7 e 13.9 pedaços/L) foram considerados baixos pelos autores, em comparação com concentrações encontradas na neve em estudos anteriores. Não existem outros estudos sobre concentrações de microplásticos em água de nuvem para comparação até o momento.

Os microplásticos podem passar por degradação física e química, o que pode afetar suas características físico-químicas. Os microplásticos são naturalmente hidrofóbicos, mas tornam-se hidrofílicos após fotodegradação. Desta forma, a ocorrência de microplásticos em água de nuvem pode potencializar fenômenos de condensação através do processo de formação de núcleos de condensação, fenômeno que pode ser intensificado pela adsorção de minerais e outros compostos. Neste sentido, uma região com uma maior concentração de microplásticos, poderia ter maior índices pluviométricos. Outrossim, essas partículas plásticas voltariam ao solo, rios e demais ambientes naturais, com a ação da chuva, criando um ciclo de microplástico, uma vez que novos eventos de evaporação ocorressem. 

O artigo traz novas informações sobre a dinâmica da poluição por microplásticos e contribui com novos insights sobre sua distribuição e efeitos em água de nuvem. A ocorrência de microplástico neste compartimento chama à atenção a onipresença deste poluente e seus potenciais de trasnformação dos sistemas naturais, seja alterando o microclima local ou transportando metais e outros compostos adsorvidos ou em sua composição. Os interessados no tema podem encontrar o artigo original em inglês através do link https://doi.org/10.1007/s10311-023-01626-x.

Referências bibliográficas: 

Silva, V. C. C., Andrade, R. C., Vernin, N. S., & Torres Netto, A. (2023). Estudo das fontes de poluição por microplásticos recorrentes na Baía de Guanabara, Rio de Janeiro. Revista de Gestão de Água da América Latina, 20, e5.

An, L., Liu, Q., Deng, Y., Wu, W., Gao, Y., Ling, W. (2020). Sources of Microplastic in the Environment. In: He, D., Luo, Y. (eds) Microplastics in Terrestrial Environments. The Handbook of Environmental Chemistry, vol 95. Springer, Cham.

Publicado por: Laboratório de Limnologia/UFRJ | novembro 16, 2023

Vamos tomar um cafézinho com os peixes?

Por Juliana Lopes, Maria Eduarda Cosendey, Yasmim Alvarenga e Prof.Dr. Maurício Mussi Molisani

Os textos de novembro foram escritos por alunos de pós-graduação do Programa Pós Graduação em Ciências Ambientais e Conservação (PPGCIAC), no contexto da disciplina de Poluição Ambiental lecionada pelo Professor Dr. Maurício Mussi. O texto de hoje foi escrito pelas autoras Juliana, Maria Eduarda e Yasmin, onde tratam sobre como a cafeína, substância presente principalmente no café, impacta os ecossistemas aquáticos. Além disso, as autoras trazem reflexões sobre soluções para esta problemática. O texto está imperdível, confira:

Tomar aquele cafézinho faz parte da rotina de muitas pessoas. Pela manhã, após o almoço, durante a tarde, ou até mesmo para nos manter “acordados”, o café quase sempre está presente. A famosa pergunta: “TEM CAFÉ?” faz parte do nosso cotidiano nos laboratórios de pesquisa, e muitos até acreditam que quando acaba o café, ou a cafeteira para de funcionar, não há como continuar trabalhando. Mas será que toda essa quantidade de café consumida por nós humanos gera algum problema para o meio ambiente? Isso é o que veremos a seguir.

A poluição dos recursos hídricos é uma problemática crescente. O despejo inadequado de resíduos em conjunto com a falta de estruturas de coleta e tratamento de esgoto, intensificam ainda mais esse problema. Diversos trabalhos relatam a presença de contaminantes emergentes nos ambientes aquáticos. Esses contaminantes, tratam-se de compostos detectados no solo, água e ar, e possuem origem tanto antrópica quanto de ocorrência natural, que podem ou não apresentar riscos aos ecossistemas. Mas, o que a cafeína tem a ver com isso? E os peixes?

A cafeína (1,3,7-trimethylxanthine) é um estimulante do sistema nervoso central consumido diariamente por grande parte da população mundial, e está presente tanto no café, quanto em chás, refrigerantes e até mesmo em alguns medicamentos. Apesar deste composto ser muito apreciado por nós, já que sua ajuda energética nos estimula nas realizações de atividades diárias, muitos organismos que vivem em ambientes aquáticos podem não apreciar o cafézinho de cada dia. A cafeína é o composto ativo farmacêutico (PhACs), muito encontrado em águas superficiais de ambientes aquáticos, isto porque após a ingestão, a cafeína que não é absorvida por completo pelo organismo, é excretada pela urina. Para além disso, as redes de tratamento de esgoto não conseguem degradar as quantidades de cafeína que recebem e muitas cidades nem possuem um sistema de tratamento, dessa forma, uma parte significativa de cafeína chega aos ambientes aquáticos.

Fig. 1 – Molécula da cafeína

Hoje em dia a cafeína já está sendo tratada como um contaminante emergente. Esses contaminantes, são indicadores de contaminação humana. Isto torna-se preocupante à medida que pensamos nos organismos que vivem nestes ambientes, será que eles também absorvem a cafeína? E se absorvem, será que o efeito é positivo? Quanto deste composto eles conseguem absorver até se tornar tóxico?

Altas concentrações de cafeína já foram registradas nos tecidos de diversos animais marinhos, como: corais, mexilhões e peixes. Estudos laboratoriais demonstraram os impactos negativos destes compostos nestes organismos, incluindo: inibição de crescimento, letalidade; impactos na reprodução e no desenvolvimento; alteração nas reservas energéticas e atividades metabólicas; efeitos neurotóxicos e danos celulares. Sendo estes efeitos ampliados com exposição a longo-prazo.

Um estudo realizado por Montagner et al., (2019), buscou analisar a presença de contaminantes emergentes em distintas matrizes de água em diferentes locais no estado de São Paulo ao longo de 9 anos. Nesse estudo, foram realizadas amostragens em águas residuais brutas e tratadas, águas superficiais subterrâneas e água potável. De todos os contaminantes emergentes encontrados, a cafeína foi um dos que exibiu maior abundância, sendo encontrado em mais da metade de todas as amostras analisadas. Além disso, não somente a cafeína como outros compostos por apresentarem uma grande frequência de detecção nos corpos d’água e por estarem acima do valor previsto no critério de qualidade de água, além de também apresentarem risco preliminar para a vida aquática, foram destacados como preocupação prioritária. Através desse estudo, também foi possível observar que a concentração média de cafeína em águas superficiais interiores foi quase dez vezes maior que do que a concentração relatada para águas residuais tratadas, indicando que a contaminação por esgoto bruto é uma fonte importante de contaminação em rios e reservatórios no estado de São Paulo.

Com esse estudo, pode-se também correlacionar o efeito sinérgico que ocorre quando há a interação desses compostos que em conjunto podem multiplicar os efeitos negativos nas matrizes de água, consequentemente na fauna e flora do local, e até mesmo para a saúde humana. Além das problemáticas voltadas para os organismos aquáticos em decorrência do despejo, o consumo exagerado de cafeína também pode ocasionar prejuízos para a saúde humana. A cafeína gera uma dependência baixa em humanos, porém, quando o consumo é interrompido, pode ocasionar sintomas como: dor de cabeça, sonolência, ansiedade, irritabilidade, etc e por isso, devemos nos atentar ao consumo excessivo de café.

Viu como um composto pode gerar tantos impactos? Isso porque só mencionamos a cafeína! Imagine para os diversos outros que chegam à natureza todos os dias? É importante ressaltar que como cidadãos, devemos nos atentar às políticas públicas de nossos municípios e nos preocupar com descartes inadequados de resíduos e rejeitos. Os avanços tecnológicos são importantes ferramentas para gerar a implementação de novas tecnologias que busquem o refinamento dos processos de tratamento de esgoto e saneamento básico.

Referências Bibliográficas:

ALVES, R. C. et al. Health benefits of coffee: myth or reality?. Química Nova. Scielo Brasil. 2009.

LI, S. et al. Occurrence of caffeine in the freshwater environment: Implications for ecopharmacovigilance. Environmental Pollution, v. 263, p. 114371, 2020.

MONTAGNER, C. C. et al. Emerging contaminants in aquatic matrices from Brazil: currente scenario and analytical, ecotoxicological and legislative aspects. Quim. Nova, v. 40, n. 9, 2017.

STRAIN, E. C. et al. J. Am. Med. Association, 272, 1043, 1994.

VIEIRA, L. R. et al. Caffeine as a contaminant of concern: A review on concentrations and impacts in marine coastal systems. Chemosphere, v. 286, p. 131675, 2022.

Publicado por: Laboratório de Limnologia/UFRJ | outubro 26, 2023

A Natureza para inspirar e promover práticas educativas conectadas às águas do Rio Macaé

Por Rafael Nogueira Costa

Nos corredores do CCS na Ilha do Fundão e nos espaços dos Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem/UFRJ) em Macaé, circulam diariamente os futuros docentes. Eles serão responsáveis por criar as condições para que crianças, jovens e adultos possam se relacionar, trocar experiências e estudar sobre as distintas formas de vida que compõem este maravilhoso planeta. Nestes dois ambientes conheci pessoas incríveis e tive acesso a experiências capazes de promover a proliferação de mundos.

A infância no Cerrado me possibilitou as comparações com os fragmentos de Mata Atlântica. Fui apresentado aos seus ecossistemas por meio de aulas e saídas de campo conduzidas por docentes experientes e estudantes dos Cursos de Pós-Graduação de vários programas, especialmente Zoologia e Ecologia.

Um dos ensinamentos mais incríveis que a disciplina de Biologia proporciona é a compreensão da vasta diversidade de seres vivos que formam as redes de fluxos de energias às quais estamos interligados. Deixar a imaginação entrar nas células. Olhar para as organelas com o uso de microscópios. Compreender as estruturas genéticas, os mecanismos de leitura dos códigos, as formas de proteção contra mutações e entender a biodiversidade no nível celular são “mergulhos” tão profundos que são capazes de ampliar as visões de mundo.

Entender que cada ser vivo, com as suas características e adaptações ao meio, são mestres que nos ensinam sobre nós mesmos: respeito e admiração pela diversidade são alguns resultados deste aprendizado. Aos mestres da Natureza – manifestados pelas distintas formas de coabitar a Terra – toda minha curiosidade e atenção.

Ampliamos os nossos olhares por meio dos conhecimentos que possibilitam a compreensão das conexões que ocorrem nos ecossistemas. Por exemplo, olhamos o verde das paisagens homogêneas, às vezes, com tristeza, pois na maioria dos casos representa perda de biodiversidade e revela profundos impactos, como ocorrem em áreas com substituição de florestas em pastagens e monoculturas. São mundos em isolamento.  O mundo fraturado pelo habitar colonial, conforme nos lembra Ferdinand (2022).

As disciplinas da nossa Graduação possibilitam a compreensão a partir de várias perspectivas. Assim, a mente começa a acessar dimensões inimagináveis. As saídas de campo fazem parte da criação de um repertório científico, artístico, sensorial, estético e ético. Fora da universidade e distante das salas de aula, a Biologia se amplia!

[…] E não se diga que, se sou professor de Biologia, não posso me alongar em considerações outras, que devo apenas ensinar Biologia, como se o fenômeno vital pudesse ser compreendido fora da trama histórico-social, cultural e política. Como se a vida, a pura vida, pudesse ser vivida de maneira igual em todas as suas dimensões na favela, no cortiço ou numa zona feliz dos ‘Jardins’ de São Paulo. Se sou professor de Biologia, obviamente, devo ensinar Biologia, mas ao fazê-lo, não posso secioná-la daquela trama (Freire, 2019, p. 109). 

Assim como Paulo Freire, o Professor Francisco de Assis Esteves considera necessária e urgente para Ciências Biológicas, especialmente ao refletir sobre a Limnologia, a incorporação de conhecimentos de “outras áreas do saber”, como “a Economia, a Engenharia, a Sociologia e a Educação” (Esteves, 2011, p. 54). O professor das águas, ao conduzir expedições científicas, aponta para fora da calha do rio para possibilitar a compreensão do que ocorre dentro dos cursos de água.

Bachelard (1996, p. 14) afirma que “para confirmar cientificamente a verdade, é preciso confrontá-las com vários e diferentes pontos de vista”. Desta forma, para este autor, os sistemas homogêneos mais do que estímulos, são obstáculos que bloqueiam o fortalecimento do espírito científico, que deseja saber para melhor questionar (Bachelard, 1996).

Krenak (2022, p. 82), chama este movimento de alianças afetivas, “que pressupõe afetos entre mundos não iguais”, ou seja, a capacidade de experimentar e inventar outros mundos. Não estamos sozinhos produzindo conhecimento. O espírito do tempo será vingativo com os arrogantes e com os individualistas. O conhecimento é coletivo.

A Biologia é fascinante! E ela nos inspira. Peixes, aves, árvores com as suas adaptações, invertebrados, insetos, anfíbios, este conjunto de seres revelam narrativas capazes de enriquecer livros e processos educativos. Compreender como os insetos e caranguejos enxergam me inspirou a pensar práticas educativas ampliadas. No Laboratório de Pesquisa em Educação, Imagem e Natureza: Imagina Lab (Figura 1) localizado no Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade estamos desenvolvendo práticas educativas bioinspiradas na maneira como esses animais captam as imagens, por meio dos olhos compostos.

Figura 1: Imagina Lab: um “laboratório voa”

Em Zoologia aprendemos que nos olhos compostos “a formação das imagens é fruto de sinais originados de diversos omatídeos” (Brusca, 2018, p. 895). Ou seja, para a visão funcionar plenamente é necessária uma colaboração entre todos os elementos visuais.

O funcionamento de um único omatídeo não garante uma visão eficiente. Disponibilizei no Preprint da Scielo uma reflexão para ser compartilhada com vocês cientistas das águas (Costa, 2022).

Talvez, esse seja mais um dos grandes ensinamentos destes pequenos professores, insetos e caranguejos. Buscar colaboração de diferentes olhares, como os omatídeos, para compreender os ambientes em várias fronteiras e interfaces é encontrar olhares plurais. E não existe nada de ingênuo em aprender com a Natureza.

Nesta proposta as práticas educativas deverão estimular o acesso as camadas ativas, inovadoras, críticas, artísticas e científicas. O tédio precisa dar espaço para o surgimento do entusiasmo, como nos lembra bell hooks (2017, p. 17): “a reflexão crítica sobre minha experiência como aluna em salas de aula tediosas me habilitou a imaginar […] que a sala de aula poderia ser empolgante”.

Neste tipo de abordagem os Rios são considerados nossos professores e aprendemos com eles. Imagina como deve ser interessante percorrer os Rios e buscar em seus percursos inovações para práticas educativas atentas aos debates locais e globais. As manifestações artísticas podem enfim encontrar com as ciências (Scarano, 2019).

Nossas questões estão estruturadas em eixos, como:

Universidade-Escolas: i) Como a escola contemporânea aborda os conhecimentos da Natureza, especialmente as águas dos rios? ii) Quais elementos presentes no conceito “escolas sustentáveis” podem ser incorporados nos debates sobre as águas?

Ciências Ambientais: Que tipo de iniciativa asseguram a disponibilidade hídrica? Quais são os principais impactos no Rio Macaé? Como o conhecimento sobre a biodiversidade pode ser incorporada aos processos educativos?

A partir de uma experiência científica exploratória e descritiva colocamos o Rio Macaé na centralidade dos nossos olhares. O objetivo é compreender as suas características socioambientais e relacionar com as práticas educativas no Ensino Médio e Superior. Como resultado serão apresentadas propostas para criação de uma Rede Pró-Conservação e Manejo da Bacia do Rio Macaé em articulação com universidades-escolas.

As primeiras revisões bibliográficas (artigos, dissertações e teses) apontam um número reduzido de pesquisas científica sobre o Rio Macaé em comparação com o Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. Nas escolas, existem projetos direcionados as questões socioambientais das águas. Porém, geralmente são realizados de maneira individual, por docentes e grupos de estudantes, funcionando na “lógica do herói”.

Nosso interesse é promover a sistematização das informações científicas disponíveis e disponibilizar para população um banco de dados, com informações abertas. Mapear e realizar cartografias científicas e bioculturais para serem realizadas ao longo do trajeto do Rio, misturando as diferentes formas de conhecimento (ênfase aos diálogos).

Para isso, a proposta da Cartografia do Imaginário, criada pela pesquisadora Michèle Sato (2011), possibilita a práticas de pesquisa que circulam em busca de expressões e narrativas sobre os Rios. Como resultados para esta abordagem teórica-metodológica são produzidos registros estéticos que coloquem os estudantes como protagonistas. “A pedagogia engajada necessariamente valoriza a expressão do aluno” (bell hooks, 2017, p. 34).

Um exemplo de valorização da narrativa dos alunos foi a metodologia desenvolvida no âmbito de uma prática de pesquisa entre universidade-escolas (Festival Conexões Mundos: desemparedando o imaginário 2023). Foram 22 estações experimentais e destacamos uma delas aqui. Desenvolvida no âmbito do Imagina Lab, a estação experimental conduzida pelo discente André Pacheco Cardoso dos Santos possibilitou a construção de narrativas com base na linguagem cinematográfica.

A partir de um conjunto de imagens disponibilizadas em uma mesa os estudantes foram convidados a “escrever uma história”, pendurando as imagens no varal (Figura 2), da mesma maneira como fazemos na construção de filmes em programas de computador. As narrativas foram gravadas em áudio e os resultados foram alcançados: valorização da expressão dos alunos.

Figura 2: Metodologia desenvolvida no âmbito do Imagina Lab como estação experimental. Coordenação: André Pacheco Cardoso dos Santos (Graduação em Licenciatura em Ciências Biológicas da UFRJ).

Outro caminho interessante é buscar formas para realização de monitoramento da qualidade e disponibilidade hídrica em distintas porções com trocas de informações entre as instituições de ensino.  Essa é uma excelente contribuição de um grupo de cientistas da UFMG orientado pelo Professor Marcos Callisto do Departamento de Genética, Ecologia e Evolução, Instituto de Ciências Biológicas. As escolas, neste caso, passam a produzir conhecimento científico (França; Callisto, 2019).

Esse é um dos mapas da nossa caminhada que seguirá até meados de 2024. Estamos buscando colaborações. E você jovem leitor e leitora, gostaria de colaborar conosco nesta aventura? Quem sabe daqui a um ano possamos voltar no blog para apresentarmos um pouco dos resultados desta jornada.

Feito esta apresentação, faço um convite para mergulhar conosco no Canto do Rio, um curta metragem experimental, produzido por integrantes do Projeto de Extensão Imaginamundos (apoio: PR5/UFRJ). Nesta produção escrevemos um texto coletivo sobre as águas do Rio Macaé e fizemos um roteiro poético.

[…] “O canto significa o ato de cantar, narrar o seu percurso. Assim, canta a serpente ao descer pela Mata Atlântica. Porém, o canto também significa a margem, a borda, o esquecimento. O lado silencioso que está presente nos manguezais brasileiros, transformados em zonas de sacrifício, com construções espontâneas e elevado despejo de esgoto. Nestes cantões surgem os meninos-caranguejos, seres híbridos” (Sinopse do filme O Canto do Rio).

Fica o convite, se embarcar nessa, aumente o volume do som. Aqui está o seu “barco-filme”: (1055) O canto do Rio – YouTube

No Canto do Rio revelamos um personagem, o menino-caranguejo, um ser híbrido: metade criança, metade caranguejo. Mas, essa história eu conto em outra oportunidade.

Reafirmamos que a biodiversidade brasileira ainda reserva inúmeros caminhos, orientações e ensinamentos que podem nos estimular para experiências criativas. Para além de uma lógica funcionalista orientada pelos serviços ecológicos, estamos interessados em estimular as imaginações dos nossos futuros docentes para resolução dos problemas atuais que nos afligem enquanto pessoas conectadas umas com as outras, em uma rede complexa, que muitos chamam de Natureza.

Esticar os campos até encostar as fronteiras é uma tarefa essencial para os docentes deste século. Misturar a arte com as ciências (sempre no plural), promover solos férteis para criação de novas metodologias de ensino e reconstruir os currículos são tarefas constantes e atuais para os/as trabalhadores/as da educação.

Por fim, nem só de Biologia vive o Rio Macaé. Este sujeito, após sofrer com lançamento de esgoto em vários pontos e ter sido retilinizado em um trecho considerável (ver uma narrativa poética sobre essa história em: Vilela; Costa, 2002), está sobre fortes ameaças por conta das termoelétricas e das Pequenas Centrais Hidroelétricas. Seguir o percurso deste Rio é tarefa mais que necessária!

Agradecimentos: À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro–FAPERJ, pelo financiamento dos projetos: O Rio Macaé como sujeito no (per)curso para potencializar inovações na educação (SEI-260003/015911/2021) e Olhos compostos para sentipensar o Rio Macaé: contribuições à cartografia do imaginário (Jovem Cientista do Nosso Estado, E-26/201.321/2022). Aos estudantes integrantes da equipe do blog do Laboratório de Limnologia da UFRJ, muito obrigado pelo convite para compartilhar algumas questões com vocês. Ter sido convidado por estudantes para escrever no mês de outubro em comemoração ao Dia do Professor é motivo de muita alegria e uma imensa responsabilidade.

Referências

Bachelard, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Tradução Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.

hooks, bell. Ensinando a transgredir. A educação como prática da liberdade. Tradução Marcelo Brandão Cipolla. 2 ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes.

Brusca; Richard. Invertebrados. Richard C. Brusca, Wendy Moore, Stephen M. Shuster; tradução: Carlos Henrique de Araújo Cosendey. 3a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018.

Costa, R. N. (2022). Compound eyes: a bio-inspired concept for the educational field. In SciELO Preprints. https://doi.org/10.1590/SciELOPreprints.4908 

Esteves, Francisco de Assis. Fundamentos da limnologia. 3a ed, Rio de Janeiro: Intercência, 2011.

Ferdinand, Malcom. Uma ecologia decolonial: pensar a partir do mundo caribenho. São Paulo: Ubu Editora, 2022.

França, Juliana Silva; Callisto, Marcos. Monitoramento participativo de rios urbanos por estudantes-cientistas. Belo Horizonte: J. S. França, 2019.

Freire, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 25. ed. São Paulo/Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.

Vilela, Bruno Vasconcelos; Costa, Rafael Nogueira. Em busca das nascentes narrativas sentipensantes com a água como potência para imaginar mundos, 2022. Disponível em: Vista do Em busca das nascentes (unicamp.br)

Sato, Michèle. Cartografia do imaginário no mundo da pesquisa. In: Francisco José Pegado Abílio. (Org.). Educação Ambiental para o semiárido. 1. ed. João Pessoa: EDUFPB, 2011, v. 1, p. 539-569.

Scarano, Fabio R. Regenerantes de Gaia. 1. ed. Rio de Janeiro: Dantes Editora, 2019.

Professor Adjunto IV na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vinculado ao Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade (Nupem/UFRJ). Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE, Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ). Formação: Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/2005). Mestrado em Engenharia Ambiental pelo Instituto Federal Fluminense (IF Fluminense/2010). Doutorado pelo Programa de Pós-Graduação Multidisciplinar em Meio Ambiente, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/2016). Realizou o estágio de Pós-Doutorado em Educação pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes/2020). Orienta pesquisas nos seguintes programas: Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais e Conservação (PPGCiAC) e Programa de Pós-Graduação Profissional em Ambiente, Sociedade e Desenvolvimento (PPG-ProASD), ambos da Universidade Federal do Rio de Janeiro em Macaé (RJ). Grupo de pesquisa CNPq: i) Grupo de Estudos em Educação Ambiental Desde el Sur (GEASur/Unirio). Linhas: i) educação e formação docente; ii) abordagens inovadoras para o ensino de Ciências Biológicas e Ambientais; iii) metodologias ativas e iv) bioinspiração, criatividade e inovação. Coordenador dos seguintes projetos de Extensão: Imaginamundos (Apoio: PR5/UFRJ) e Árvore-ser: Reflexões e Práticas Agroecológicas.

Publicado por: Laboratório de Limnologia/UFRJ | setembro 28, 2023

O “ÁrvoreSer” na ciência da conservação biocultural.

Por André Cadinelli Ramos

O projeto “ÁrvoreSer” parte do interesse em aprofundar o conhecimento sobre sistemas agroecológicos e agroflorestais no Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade NUPEM/UFRJ. Para isso, utiliza uma área da instituição como laboratório vivo e unidade pedagógica. O espaço de plantio engloba uma área de cerca de 425m². No centro da agrofloresta foi construído um local para realizar encontros, oficinas e eventos para troca de conhecimentos e saberes que permeiam a Agroecologia, estabelecendo um diálogo entre o campo e a academia.

Integra pesquisadores, agricultores, organizações locais e escolas. Busca também conhecer outros espaços agroflorestais e agroecológicos de Macaé e região a fim de estabelecer, fortalecer e mapear redes agroecológicas. Hoje o trabalho consiste em ações de extensão, incentivando que a pesquisa e ensino sejam desenvolvidos na sua plenitude, de modo que o conhecimento agroecológico se dá em uma construção coletiva e na prática. São realizadas atividades de preparação do solo, manejo e plantio de vários tipos de árvores e plantas alimentícias, visando a produção de comida saudável, fortalecimento da segurança alimentar e aumento da biodiversidade no sistema agroflorestal (SAF).

Além disso, são promovidas ações de Educação Ambiental direcionadas à comunidade em geral com objetivo de se trabalhar a problematização do mundo e dos conceitos a partir do ambiente, atendendo a estudantes e professores de diversas escolas. Por isto, integra-se a comunidade acadêmica do instituto aos conhecimentos e saberes tradicionais, sempre buscando o diálogo e valorização das cosmovisões populares, originárias e ancestrais. Essa construção partiu de uma motivação coletiva de estudantes engajados na causa ambiental no Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade NUPEM com a intenção de estabelecer um sistema agroflorestal sucessional (SAFS). Baseou-se nos métodos e teorias agroecológicas, que permitem acessar desde os mais antigos e ancestrais até os mais novos e sofisticados conhecimentos que perpassam a arte da produção de alimentos saudáveis aliada à conservação da natureza.

Desta maneira, foram atingidas muitas das antigas pretensões com a implementação do trabalho agroecológico, as quais foram permitidas pela aplicação e concepção prática de diversos conceitos aprendidos durante a formação em Ciências Biológicas, como sustentabilidade e biodiversidade. Por fim, busca contribuir para geração de aprendizados críticos, significativos e construtivos a partir da materialidade do ambiente em que se aprende. Para tanto, utiliza-se a metodologia pedagógica conhecida como práxis operando pela união das teorias às práticas na construção do conhecimento, o que pode ser capaz de abrir novas possibilidades e horizontes para a formação discente-docente. Nesta construção mútua beneficia-se a aprendizagem, de modo que se dá na investigação coletiva das problematizações entre os colegas da graduação ou estudantes que visitam a instituição, buscando aliar o agir e o pensar. Prioriza-se assim um conhecimento de intervenção no mundo, seu porquê e suas dinâmicas formas de ser.  

Publicado por: Laboratório de Limnologia/UFRJ | setembro 18, 2023

O que é o ambiente afinal? Ou melhor, como nós o vivenciamos?

Por Lucas Guimarães

Com os efeitos da crise climática e marcas cada vez mais visíveis da inequidade e de injustiças socioambientais, esforços de conscientização e chamadas por ação têm se tornado demandas de praxe para que a luz no fim do túnel não seja somente a esperança no caminho, mas um trajeto com um objetivo real e que possa ser alcançado em um futuro imediato. Nesse contexto, somos levados a pensar em nossa relação com o ambiente, compreendido não só como a natureza idealizada – que se veste de verde e tem forma de mata – mas sim como tudo aquilo com o qual interagimos a partir de nossa condição como indivíduos. Uma das áreas de interesse do campo da Educação Ambiental se encontra justamente no estudo das diferentes facetas sob as quais as interações humano-ambiente podem ocorrer, assim como o que emerge dessas interações e quais contextos prévios foram responsáveis por norteá-las. Dada a prevalência de elementos da Modernidade em todas as esferas de nossas vidas, podemos dizer que existe um viés sistêmico agindo como uma lente pré-concebida capaz de impor visões sobre o ambiente que nós não necessariamente estamos cientes que possuímos, pelo menos não até o momento em que paramos para refletir e confrontar tais pensamentos enraizados. 

Por ser um conceito definido por sua natureza holística que trata da interconectividade de seus componentes, é esperado que existam vários fatores que influenciam nossa percepção do ambiente, da mesma forma que somos influenciados por ele de diversas formas. Partindo do axioma filosófico, dois indivíduos nunca irão perceber o meio da mesma forma, por mais que sejam oriundos de contextos sociais e econômicos idênticos e tenham passado por vivências similares ao longo de suas vidas, dado que em última instância a individualidade, em toda a sua existência subjetiva, é aquilo que irá designar valores e significados na “tela em branco” da realidade objetiva. Porém, quando olhamos para um contexto macro, é possível identificar tendências no que se diz respeito a percepção, entendimento e relação para com o ambiente ao realizar recortes amplos, como por exemplo no âmbito geracional, geográfico e cultural.

Para ilustrar isso, podemos pensar no seguinte cenário: a visão sobre o ambiente de uma pessoa que mora na capital do Rio de Janeiro irá diferir de alguém que mora na serra, assim como a visão dessa será diferente de um habitante da região dos lagos, e quando comparamos todas essas visões com a de um membro de uma comunidade tradicional dos Andes, seremos capazes de observar diferenças que obviamente dizem respeito ao teor subjetivo do individual, mas que também emergiram em um contexto cultural e regional específico, com seu conjunto de características e tendências únicas. A língua também exerce papel importante na percepção do meio e em nossa relação com ele, dado sua função como um dos inúmeros instrumentos pelos quais vivenciamos o mundo e como uma expressão da cultura de um povo. No caso de populações originárias, a existência de determinados vocábulos e expressões podem refletir vivências específicas com o ambiente e a natureza, a depender do tipo de relação presente. Um exemplo curioso é na língua irlandesa, pertencente ao tronco linguístico celta e construída ao longo de milênios por nativos das ilhas britânicas e que enfrenta apagamento e ameaças de extinção decorrentes da colonização inglesa. Nela, a palavra uiscefhuaraithe denomina a temperatura fria imposta a um objeto ou a um corpo causada necessariamente pelo contato com água gelada. A existência desse termo nos leva a pensar sobre qual tipo de relação as populações que o cunharam possuíam com a água – uma entidade transformadora, tão singular a ponto de ter uma de suas propriedades especificamente ressaltada. Outro exemplo é a língua inuktitut, uma das línguas faladas pelo povo originário inuit, do Círculo Ártico, que surpreendentemente não possui uma palavra para “natureza”, fato que inicialmente pode parecer paradoxal dado o grau de dependência dessas comunidades com a terra e a relação que compartilham, indo desde o material até o intangível, onde elementos da natureza assumem significações cosmológicas ao serem unidos ao culto aos ancestrais, sendo este um dos cernes dos sistemas espirituais xamânicos. Talvez a ausência de uma palavra para designar o mundo natural se deva à premissa de que, uma vez que nos consideramos parte do “todo”, não há porque categorizá-lo como algo que pode ser observado isoladamente ou tratado apenas por si só, o que resulta em uma dispensa da necessidade de nomeação. 

O escopo de relações que se enquadram na dinâmica entre o ser humano e o ambiente (ou natureza, a depender do recorte feito) não poderia caber em um texto de blog, nem em uma dissertação ou tese, e ouso dizer até mesmo nem em um livro, dada a infinidade de variáveis em jogo e o caráter mutável da subjetividade. O que cabe a nós não é dar nome a cada um dos componentes desse intervalo cujo n tende ao infinito, mas sim compreender quais fatores regem essas relações e como isso ocorre. Em meu projeto de pesquisa da graduação, analisei os corpos textuais das placas de sinalização interpretativa das trilhas Lagoa da Mata e Águas Claras da Floresta Nacional de Carajás (FLONA), no Pará, buscando identificar e quantificar as ocorrências de fragmentos referentes somente a seres não-humanos, seres humanos e de fragmentos que tratassem da relação entre estes dois. As figuras abaixo ilustram um pouco desse processo, que consistiu na aplicação do método de Análise de Conteúdo da Bardin.

Figura 1: Quadro de análise de uma placa da trilha Lagoa da Mata

O quadro mostra uma esquematização da análise conduzida com as 11 placas de sinalização, identificando as categorias presentes entre as três originalmente estipuladas (i: seres humanos; ii: seres não-humanos e iii: seres humanos e não-humanos), as unidades de registro destacadas e os núcleos de significados extraídos a partir destas. Com isso, tive como objetivo identificar tendências quanto à prevalência de determinados núcleos nesse universo de placas.

De longe, a categoria que assumiu a liderança no número de ocorrências foi a de seres humanos e não-humanos, que trata da interação entre estes. Nesse sentido, identifiquei fragmentos textuais referentes a relações de dominação e exploração (impactos antrópicos, extração de recursos minerais, uso da terra atrelado ao desenvolvimento e mudanças climáticas) e relações que conversam com o ecocentrismo, assumindo um caráter de respeito à existência e ao seu valor inerente (relativas a afetividade, horizontalidade, conhecimentos ecológicos tradicionais, reconhecimento da natureza como sujeito de direitos…). Pelo fato dos conteúdos da trilha estarem inseridos no contexto de Carajás, podemos começar a entender a função de cada um dos atores envolvidos em todas essas questões, sejam elas próximas ao polo “harmônico” ou “desarmônico” do contínuo identificado nessa categoria. O ambiente influencia e é influenciado, e com a FLONA de Carajás não é diferente. Sendo ela palco de inúmeros conflitos, histórias, vivências, ancestralidades e esferas de relações cuja totalidade se mostra numa ordem de grandeza que mal podemos compreender, esse território permanece como um monolito natural, histórico, científico e, acima de tudo, de (re)existência, em todas as suas formas.

Publicado por: Laboratório de Limnologia/UFRJ | agosto 24, 2023

Uma viagem à 2073

Por Mariana Zanutto

O workshop da Limnologia é por si só o motivo de incontáveis celebrações, dentre elas, a união entre duas metades constituintes de uma só: o laboratório de Limnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Desde 1989, este evento traz consigo uma reflexão sobre a idealização e construção de uma UFRJ interiorizada e acessível, o NUPEM, na cidade de Macaé. Um pioneirismo na expansão da UFRJ para além da capital do Rio de Janeiro, idealizado às margens das lagoas costeiras do norte fluminense, pelos mesmos membros ali presentes há mais de 50 anos, ainda hoje fundamentais para a integração entre os campi e seus membros, sejam recentes ou antigos. Dessa forma, ocorrido numa sexta-feira (11/08), o evento deste ano contou com uma reflexão sobre o futuro daqui a 50 anos. Alinhado com a Cátedra Unesco em Bem-Estar Planetário e Antecipação Regenerativa no Museu do Amanhã em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, a cátedra é “… a primeira sobre este tema no Brasil e a primeira proposta por um museu e uma universidade”. Por essa razão, a alfabetização em futuros “… exercita as possibilidades de criação de novos mundos”, expandindo a capacidade de “imaginar outros amanhãs – mais sustentáveis e desejáveis”, de acordo com o Prof. Fábio Scarano. Assim, fechamos nossos olhos e ingressamos em uma viagem a 2073, conduzida pelo Prof. Fábio Scarano. 

A princípio, foram feitas uma série de perguntas que nos separava quanto à otimistas ou pessimistas sobre o futuro, nos direcionando pelos extremos da sala indicado de acordo com nossas concordâncias. Então, nos foi perguntado se teríamos participado ativamente na  construção do futuro que imaginamos, positiva ou negativamente, sob a mesma dinâmica de movimentação. Posteriormente, fomos separados em grupos aleatórios, em que, por meio de facilitadores treinados pelo professor, seríamos guiados pelo percurso através dos exercícios. Contrário a maioria das atividades, que nos fazem primeiramente imaginar o futuro para então sermos otimistas quanto a ele, fomos instigados a expor antes de tudo nossos desejos sobre o futuro, uma tarefa um tanto complicada para aqueles que, como eu, tendem a enxergá-lo um tanto pessimista, ainda que com a ajuda do grupo, tenha conseguido ser um pouco mais positiva. A partir disso, foram expostas diversas ideias sobre inteligência artificial, ciborgues, metaverso, a ruptura com a estrutura e a forma em que a educação expositiva é agora no ano de 2073. Em sequência, visualizamos o futuro como realmente achamos que será e a maioria das respostas sugeriu que passaríamos por diversos desastres e pandemias. Nessa dinâmica, foi possível observar que muitas opiniões foram controvérsias e não obtiveram um consenso do grupo, sobretudo pela diferença na faixa etária dos participantes que alegaram que talvez fosse uma questão de conflito de gerações. Enquanto os mais velhos possuíam a tendência a fazer expor ideias grandiosas, os mais novos tendiam a fazer apenas poucas alterações e se manterem mais conservadores, visto que muitos não observaram mudanças tão bruscas quanto quem já viveu por volta de 50 anos e entende a magnitude das alterações que a tecnologia proporcionou para o mundo.

Por último, a realidade que nos foi apresentada era que em 2073 não existia mais UFRJ, ainda que o conceito de universidade sim. Também não existiam diplomas, e as empresas selecionavam quem elas gostariam de contratar através do perfil dos candidatos, atividade de caráter provocador, que causou em mim e na maioria dos participantes do meu grupo uma dificuldade maior de imaginar a realidade proposta. Quando o Prof. Scarano perguntou se a atividade nos fez refletir sobre algo que nunca havíamos pensado, as mãos se ergueram quase que unanimemente, o que, a meu ver, indica o sucesso da atividade no sentido mais amplo. Finalizamos com uma proposta da Prof. Laísa Freire de uma cápsula do tempo, em que os participantes trariam um item não será mais usado ou será desenvolvido de outra maneira no futuro, a fim de causar uma surpresa na abertura da caixa em 2035. Encerrado o Workshop, tiramos uma foto em conjunto e então foi feita uma breve visita de nossos colegas da Ilha do Fundão pela Trilha da Ciência, uma extensão recém inaugurada, que é, assim como o NUPEM, uma antiga idealização do Prof. Francisco Esteves.

Como é de costume nessa época do ano, é realizada uma festa caipira agostina para encerrar o evento, decorada como tal, repleta de músicas, bebidas e comidas típicas. Assim, é chegado o momento das grandes conversas e trocas de ideias que compõem o cerne do evento, a entrosação entre os membros da limnologia, de Macaé até a Ilha do Fundão, em uma discussão sobre o futuro da ciência brasileira, ainda que muito breve. Como contribuição, fiz questão de participar da organização e decoração, espero poder continuar ajudando ainda mais para que o encontro permaneça na mente de quem o vive, mudando cada indivíduo de forma permanente. No entanto, é preciso refletir nossos vínculos a fim de os fortalecer, não apenas duas vezes ao ano, mas como um exercício frequente e recíproco, como partes igualitárias, de modo que assim como nos empenhamos para recebê-los atenciosamente em nossa casa, sejamos recebidos na de vocês também. Em suma, somente através disso poderemos pensar no presente um futuro que seja mais positivo, e que assim o seja justamente porque nós, hoje, o pensamos com carinho, humanidade e sustentabilidade. Acho que posso falar em nome de todos nós do NUPEM, que é sempre um prazer recebê-los e fazer parte da equipe, até a próxima!

Referências

https://museudoamanha.org.br/pt-br/content/c%C3%A1tedra-unesco-em-bem-estar-planet%C3%A1rio-e-antecipa%C3%A7%C3%A3o-regenerativa

Mariana Zanutto é graduanda em Bacharelado em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Rio de Janeiro no Instituto de Biodiversidade e Sustentabilidade de Macaé (NUPEM), com ênfase em Meio Ambiente. Atualmente bolsista PIBIC/CNPq no desenvolvimento de pesquisa de avaliação e restauração de florestas de Mata Atlântica.

Publicado por: Laboratório de Limnologia/UFRJ | agosto 10, 2023

“Eles combinaram de nos matar, mas a gente combinamos de não morrer” Conceição Evaristo

Por Renata Clemente

Se faz necessário o meu primeiro texto no blog do Laboratório de Limnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro ser justamente sobre a escrita acadêmica. Uma vez que ela me assombrou desde o meu segundo período da graduação, pois foi quando eu ingressei em um laboratório para fazer a famosa Iniciação Científica. Que pesadelo! Eu naquele instante  não tinha noção de tudo o que eu iria enfrentar, fiquei um ano e saí depois de entregar um relatório e conquistar a minha alforria.  Porém, eu saí sentindo que esse negócio de Ciência não era pra mim, que eu não sabia escrever, que eu não tinha uma bagagem de leitura suficiente e ainda pensando que àquela pessoa que não gostava de mim. Bom, foi quando eu ingressei em outro, achando que eu iria escrever uma história diferente. E foi aí que percebi que não importava o lugar, pois eu carregava em mim uma mancha INDELÉVEL de desprezo, a minha cor!  E isso para o branco já é o bastante para ele saber o tipo de tratamento que ele irá me dar. E agora eu gostaria de falar com os meus, não se enganem, por mais desconstruído que a pessoa pareça ser, a mão pra gente sempre vai pesar mais! Como disse Emicida, existe pele ALVA e pele ALVO. Então novamente eu saí, mas saí com um passo à frente, compreendendo que o problema não estava comigo. 

O tempo passou e eu segui, e enfim chego no final da graduação e da minha prática de ensino. Então a professora nos pediu para fazermos um memorial da nossa vida escolar e da experiência da prática de ensino no Colégio de Aplicação da UFRJ. E em vários momentos eu relembrei em meu memorial essa fase em que a Ciência combinou de me matar. E resolvi transcrever um trecho aqui:  “Eu era uma pessoa traumatizada com a escrita, e isso devo à minha vida acadêmica. Assim que entrei na graduação, lembro que muitos me disseram para logo procurar um laboratório para eu fazer a tão falada Iniciação Científica. Porém, ninguém atentou para o fato de que eu era uma mulher preta e que isso iria mudar muita coisa. Eu sofri muito nesse lugar de IC, me sentia impotente, humilhada e rebaixada toda vez que precisava escrever algo ou fazer a famosa apresentação de um artigo científico para o grupo.”  Segundo Menezes (2003) a dificuldade de aprendizagem das crianças negras está mais ligada à forma de inserção delas no espaço escolar do que a um impedimento cognitivo. A autora afirma que a escola reserva um lugar social específico para a criança negra, um lugar do ser que não merece reconhecimento, incapaz e inferior.

Sabe-se que mesmo a autora se referindo à Educação Básica, vejo o quanto essa afirmação faz total sentido também na graduação. E isso se deve a vários fatores, primeiro que como uma licencianda era notório o tratamento diferente que a gente recebia de alguns  professores, uma vez que os cursos que possuem bacharelado e licenciatura, a licenciatura  é sempre tratada como inferior. E para muitos professores os alunos que tiram as melhores notas estão aptos para o bacharelado, e por outro lado aqueles que não vão tão bem assim o melhor caminho é a licenciatura. Segundo, é de suma importância falar dos professores que estão ocupando esse lugar, já que durante todo o meu curso, tive aula com três professores pretos, os três homens. O professor de pele retinta era substituto e os outros dois de pele mais clara eram concursados. Isso em um curso como o nosso, o de Ciências Biológicas, que geralmente são vários professores que dividem uma mesma matéria, e mesmo estando na cidade do Rio de Janeiro, onde desembarcou mais de um milhão de escravizados oriundos do continente africano. Terceiro, nesses espaços que passei as pessoas pretas estavam chegando como eu ou eram as únicas que utilizavam algum tipo de uniforme. Imagina como toda essa minha vivência teria sido diferente se tivéssemos uma equipe plural e diversa? Provavelmente eu estaria aqui narrando outros fatos… Com isso, começamos a entender o motivo de tanta insensibilidade com o meu povo. Falta empatia, formação, escuta ativa e paciência. Embora fôssemos todos brasileiros, não falamos a mesma língua.

Hoje, já no mercado de trabalho encontro muitas “Renatas” por aí, que também saíram da universidade com esse trauma da escrita acadêmica e da academia como um todo. E sempre me pergunto: até quando vamos desperdiçar talentos em nome desse racismo estrutural e institucional? Quantos do meu povo poderiam estar aqui contribuindo para o nosso crescimento enquanto cientistas? Mas infelizmente não deu tempo de nos juntarmos e combinarmos de não morrer.  Vejo que existe uma máquina de moer preto e pobre por aqui, e aqueles que de alguma forma conseguem passar por ela, saem com muitas sequelas. Até porque o racismo quando não mata, ele adoece! E até aqui, percebo que a porta nunca esteve aberta pra gente, a gente entra pela janela e tenta arrombar essa tal porta que insistem em dizer que está aberta. Mesmo aqueles que conseguem pular essa janela, quando estão aqui dentro, são forçados a se moldar no parâmetro ocidental da escrita, do idioma, do comportamento… Vale ressaltar que essa é a mesma sociedade que até hoje não reconhece a escritora Carolina Maria de Jesus como uma ESCRITORA BRASILEIRA que ela é, chamam seus LIVROS de diários a fim de tentar rebaixar a sua escrevivência, e querem a todo custo “corrigir” a sua maneira de escrever em nome de uma norma culta. Quem disse o que é uma norma culta? Aliás, o que é a norma culta? Que público é esse que diz que a Carolina Maria de Jesus não sabe escrever? Porque pra mim é um dos melhores livros que já li na vida, ela sim fala a minha língua, a língua do meu povo e de milhões de brasileiros. Muitos como eu se encontram ali, naquela escrita e enxergam nos livros da Carolina um caminho para começar a ler. Ou quando lembro o quando a ESCRITORA BRASILEIRA Conceição Evaristo foi atacada durante a sua candidatura na Academia Brasileira de Letras. Qual foi o incômodo em ver a professora Conceição Evaristo ao ser indicada para a ABL? E mais, Daniel Munduruku também passou pelo mesmo processo de rejeição. E por coincidência nenhum dos dois ganhou. Já pararam para pensar no perfil dos seus concorrentes? Homens brancos, ricos, de livre trânsito em altas esferas sociais e com restrito alcance literário. “Brasil, o seu nome é Dandara e a sua cara É de cariri!”

Portanto, mesmo diante disso eu estou aqui livre, e essa liberdade não veio do céu e nem das mãos da Isabel, ESCREVENDO e resistindo, me fazendo presente e ocupando, falando e me fazendo ouvir. Caramba, a ESCUTA. Algo que é tão caro para o nosso povo. Mas Brasil, “chegou a vez de OUVIR as Marias, Mahins, Marielles, malês!” A era do silêncio e da neutralidade acabou. Descobri, mesmo que tardiamente, e aqui digo tardiamente pelo fato de que se eu tivesse menos melanina, eu já teria sido incentivada a escrever há muito mais tempo, que eu posso escrever e que a minha escrita tem ajudado a abrir o caminho para os meus que estão vindo atrás. Que doloroso isso, pensar que a cor da sua pele vai ditar muitos padrões para você. Milton Santos (1926 – 2001), um geógrafo, cientista, jornalista, advogado, escritor e professor universitário, considerado um dos mais renomados intelectuais do Brasil, cedeu uma entrevista nos anos 2000 e o repórter lhe perguntou: “Milton, como é ser um homem negro intelectual no Brasil?” Ele sabiamente respondeu: “Bem, é difícil ser um homem negro e ser um intelectual no Brasil, agora imagina juntar os dois?” É isso, juntar os dois significa que você vai precisar se doar muito mais para ter o mínimo de respeito, nem digo reconhecimento. Até porque esse para o meu povo muitas das vezes chega após a morte, quando chega. E esse lugar da escrita é um excelente exemplo para entendermos esses Brasis que existem dentro do Brasil, para lermos a história que a História não conta, para dizer que tem sangue retinto pisado atrás do herói emoldurado e que QUEREMOS um país que não está no retrato.

Referências:

CONCEIÇÃO, E. – OLHOS D’ÁGUA. 2° Edição. Pallas Editora, 2016.

CLEMENTE, R. L.; LIMA, M. J. G. S – “TEM GENTE COM FOME”: MEMÓRIAS DE UMA LICENCIANDA NO ESTÁGIO SUPERVISIONADO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS“, 2022.

 FRANÇA, D. X. – DISCRIMINAÇÃO DE CRIANÇAS NEGRAS NA ESCOLA. INTERACÇÕES  v. 45, p. 151-171, 2017.

DOMENICO et al. Histórias para ninar gente grande. Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira. Rio de Janeiro, 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JMSBisBYhOE. Acesso em: 4 agosto. 2023.

EMICIDA. Ismália. São Paulo: Sony Music, 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=4pBp8hRmynI. Acesso em: 4 agosto. 2023.

Por Artur Malecha Teixeira

A Mata Atlântica é um bioma extremamente biodiverso, incluindo uma variedade de hábitats e fitofisionomias. A riqueza de aves é invejável, contendo cerca de 893 espécies em todo seu território, sendo 215 consideradas endêmicas. A diversidade de cores e formas varia desde uma pequena e deslumbrante saíra a um vistoso e barulhento papagaio. Contudo, assim como em todos os países capitalistas, a predação de recursos naturais culminou em uma severa degradação dos ambientes naturais, em especial a Mata Atlântica. Atualmente, restam apenas cerca de 28% do bioma, predominando em sua maioria fragmentos de floresta pequenos e isolados. A rica biodiversidade que ainda resiste às ameaças e às severas pressões antrópicas presentes na Mata Atlântica, fazem com que ela seja considerada um Hotspot de biodiversidade global.

Nos últimos anos, as mudanças climáticas revelaram-se como uma das principais ameaças à biodiversidade. Seus impactos e riscos são inúmeros e muito bem estabelecidos na comunidade científica. Para a biodiversidade, mudanças drásticas no clima podem ter consequências severas. Como as espécies estão adaptadas a determinadas condições ambientais, alterações nos padrões climáticos podem fazer com que regiões que antes mantinham um clima adequado para determinadas espécies, passem a ser inadequadas. Nesse contexto, as espécies podem ter que se deslocar para encontrar as regiões que mantêm o clima adequado para sua permanência. Algumas projeções já foram feitas para estimar as alterações na área de distribuição de aves endêmicas da Mata Atlântica, sendo prevista uma redução média de cerca de 51% da área de distribuição total dessas espécies em 2050, em um cenário de mudanças climáticas severas.

Essa perda, que já é extremamente significativa e preocupante, pode ser, na realidade, ainda maior quando constatamos que as mudanças climáticas não são a única ameaça influenciando a ocorrência das espécies, uma vez que dentro da área considerada climaticamente adequada para elas, também existem ameaças antrópicas e áreas degradadas.

Hábitat é essencialmente um local que cumpre os requisitos para a permanência e sobrevivência dos indivíduos de uma espécie. Para as aves da Mata Atlântica, hábitat pode ser, por exemplo, uma região de mata densa, campos de altitude, restingas e manguezais. Para a sobrevivência de uma espécie é evidentemente necessário que seu hábitat ainda exista. Nesse sentido, a perda de hábitat devido a mudanças de uso e cobertura do solo é o principal impulsionador da extinção de espécies no planeta. Essas mudanças correspondem à conversão de terras com vegetação natural em áreas de uso antrópico como agropecuária, áreas urbanas e mineração.

A intensidade do impacto causado por determinada ameaça antrópica sobre um hábitat pode ser definida pelas características intrínsecas das espécies. Para compreender isso, podemos pensar na característica grau de dependência florestal. Algumas espécies dependem muito da existência de mata conservada para sobreviverem, como, por exemplo, o Uru, um pequeno galináceo que vive no solo de florestas. Por outro lado, o Tiê-sangue, um pequeno pássaro com plumagem exuberante, é pouco dependente de floresta e pode ocorrer também em áreas de vegetação aberta e até urbanizadas. Considerando essas diferentes características, é fácil imaginar que o Uru é mais vulnerável à conversão de florestas em áreas de agricultura do que uma espécie como o Tiê-sangue. Outro exemplo de características das espécies determinando sua vulnerabilidade pode ser o período de atividade. Uma ave com hábitos noturnos, como uma corujinha-sapo, provavelmente sofre mais com a luminosidade artificial das áreas urbanas do que uma espécie estritamente diurna.

Diante de um cenário caótico para a biodiversidade, onde as ameaças parecem vir de todos os lados e das mais diferentes formas, é fundamental a identificação das áreas adequadas para as aves endêmicas da Mata Atlântica hoje e no futuro. Áreas adequadas para uma espécie são as regiões que cumprem seus requisitos climáticos, possuem seu hábitat preferencial e estão distantes das ameaças que mais a afetam. Ao analisarmos todas essas frentes de forma conjunta, podemos ter maior precisão para a tomada de decisões em prol da conservação das espécies.

Nesse contexto, se insere o meu projeto de mestrado, que é centrado na aplicação do modelo Habitat Quality (HQ) do software InVEST para analisar a qualidade do habitat de 151 aves da Mata Atlântica, complementando mapas de distribuição das espécies já elaborados através de modelagem. Esse modelo é extremamente útil, pois permite associar um mapa de uso e cobertura do solo com diferentes potenciais ameaças às espécies, como rodovias, áreas urbanas e agropecuária. Para melhor representar a realidade, a intensidade das ameaças varia de acordo com as características intrínsecas das espécies e com a distância da fonte do impacto ao hábitat, gerando um gradiente de degradação. A utilização dessa abordagem integrativa, incluindo mudanças climáticas, mudanças de uso e cobertura do solo e características intrínsecas das espécies, só é possível graças ao grande acúmulo de conhecimento sobre as aves da Mata Atlântica gerado por tantos pesquisadores de nosso país.
Essa metodologia pode contribuir na identificação e quantificação das áreas com maior qualidade de hábitat para as aves no presente e no futuro. Toda pesquisa na área da conservação traz uma contribuição, mesmo que singela, para caminharmos em um mundo mais rico em biodiversidade. A luta em defesa da biodiversidade não deve ser uma tarefa individual, e sim uma luta coletiva.


Referências:
● ICMBio, 2018. Sumário Executivo do Plano de Ação Nacional para a Conservação das Aves da Mata Atlântica. Brasília.
● Myers, N., Mittermeler, R.A., Mittermeler, C.G., Da Fonseca, G.A.B., Kent, J., 2000. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403, 853–858. https://doi.org/10.1038/35002501
● Natural Capital Project. Stanford University, ano. Habitat Quality Model.. Disponível em: https://naturalcapitalproject.stanford.edu/software/invest-models/habitat-quality. Acesso em: 09/07/2023.
● Rezende, C.L., Scarano, F.R., Assad, E.D., Joly, C.A., Metzger, J.P., Strassburg, B.B.N., Tabarelli, M., Fonseca, G.A., Mittermeier, R.A., 2018. From hotspot to hopespot: An opportunity for the Brazilian Atlantic Forest. Perspect. Ecol. Conserv. 16, 208–214. https://doi.org/10.1016/j.pecon.2018.10.002
● Vale, M.M., Souza, T. V, Alves, M.A.S., Crouzeilles, R., 2018. Planning protected areas network that are relevant today and under future climate change is possible: The
case of Atlantic Forest endemic birds. PeerJ, 1–20. https://doi.org/10.7717/peerj.4689

Sobre o autor:

Artur Malecha é formado em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente, desenvolve um projeto de mestrado no Programa de Pós-graduação em Ecologia e Evolução da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. A pesquisa é sobre o impacto das mudanças de uso e cobertura do solo e das mudanças climáticas sobre a qualidade do hábitat de espécies de aves endêmicas da Mata Atlântica.

Publicado por: Laboratório de Limnologia/UFRJ | julho 3, 2023

Por quais trilhas você tem caminhado?

Por Laísa Freire

A trabalho, estudo ou a lazer, com objetivos pedagógicos ou não, caminhadas em trilhas são experiências marcantes, pois há o imprevisível, o incerto, há algo a descobrir e a vivenciar… Isso mexe com a gente, ou pelo menos comigo… 

Que trilhas você já percorreu? Eram diferentes? Quais os desafios enfrentados? 

Nesta postagem vou compartilhar a experiência de um grupo de professores universitários participantes do projeto “Education for the Sustainable
Development Goals – Capacity building for educators” ao fazer uma trilha em um ambiente Andino no Equador – os páramos das áreas da Reserva Ecológica el Angel. Os páramos são ecossistemas de montanha, caracterizados por vegetação arbustiva que ocorre, em geral, a partir de altitudes de cerca de 3.000 e 4.000 metros. Nos Andes tropicais e subtropicais da América do Sul, o gênero Polylepis (Rosaceae) é endêmico dos Andes. Na área visitada há a formação de bosques de Polylepis com importância ecológica e social. A partir da minha experiência na trilha pude criar uma narrativa inspirada pelos princípios da autoetnografia  que pode ser reconhecida como metodologia científica e crítica, capaz de desvendar, em sua maneira autorreflexiva, novos e profícuos caminhos para a pesquisa sociológica na área ambiental. Temos realizado no grupo de pesquisa algumas experiências como essa em trilhas Amazônicas e na ocasião do desenvolvimento do projeto de Universidades Sustentáveis experimentei realizar nas trilhas do Equador. Os fundamentos que embasam teoricamente a abordagem pedagógica e o olhar narrativo sobre a experiência se vinculam aos direitos da natureza. 

Ética biocêntrica e os direitos da natureza

A ética biocêntrica e os direitos da natureza têm sido abordagens promissoras para combater a visão centrada apenas no ser humano no mundo moderno. Isso acontece porque essas perspectivas enfatizam a conexão entre o ser humano e o meio ambiente e criticam a ideia de que o ser humano domina e está à parte da natureza. Podemos afirmar que o sistema capitalista atual trata a natureza como uma fonte de lucro e não dá valor às relações históricas entre povos colonizados e a natureza que mantiveram outros modos de ser natureza. Alguns países, como Equador, Bolívia e Nova Zelândia, já reconhecem os direitos da natureza em suas leis e constituições, mas ainda precisam lutar contra a mercantilização da natureza em seus modelos de desenvolvimento. 

Isso quer dizer que o além do componente legislativo, que é fruto de muitas lutas políticas, há um componente educativo importantíssimo para a valorização dos direitos da natureza. Promover esse componente educativo implica em mudanças nos sistemas de ensino, nas organizações curriculares e principalmente nas práticas pedagógicas.

Para construir um mundo mais sustentável, precisamos de políticas públicas e práticas educativas que se complementem. A educação ambiental pode assumir um papel educativo na promoção de relações menos predatórias na natureza e aumentar o senso de pertencimento a ela, mas ainda há lacunas em nossa compreensão desses elementos e como eles podem ser abordados educativamente. Tenho buscado nas experiências acadêmicas me aprofundar sobre o tema de modo a entender como podemos usar o sentimento de pertencimento à natureza para criar uma vida mais sustentável. Sustentável mesmo, em um sentido holístico, construído coletivamente que aporta transformações nas formas de organização das nossas vidas, que questiona o modo capitalista de produção da vida e que vai além do pragmático e da gestão eficiente de recursos. 

É importante entender que nesse contexto, a educação ambiental em ambientes naturais desempenha um papel fundamental na análise da vivência estética e da afetividade (Tavares; Brandão & Schmidt, 2009; Payne et al., 2018) que potencializa o reconhecimento dos direitos da natureza como alternativa ao capitalismo. A educação ambiental, por meio do potencial de gerar afecções pode contribuir para o processo de valorização do sentimento de pertencimento do ser humano à natureza. Assim, experiências ao ar livre com contato direto com a natureza, atividades de recreação, ecoturismo e práticas de educação, podem proporcionar vivências significativas e emocionais que estimulam a conexão afetiva e a valorização intrínseca da natureza (Rodrigues, 2019).

Experiências ao ar livre na conexão afetiva com a natureza: Caminhada nos páramos no Equador 

O trecho a seguir é uma narrativa elaborada após a caminhada na trilha:

Éramos sete pessoas e o guia. Fizemos uma caminhada de cerca de 1.400 km que durou por volta de 3 horas. Para além do tempo cronos, o tempo kairos se fez presente naquele espaço andino pouco familiar para alguns de nós. 

Fizemos uma caminhada lenta não exatamente por buscar cada detalhe do percurso, mas por dividir a atenção com os registros fotográficos e pela a dificuldade de caminhar em um solo lodoso, respirando a 3.400-3.800 metros de altitude. Conteúdos de procedimento sobre o que fazer para não ficar preso no lodo foram passados pelo guia. A trilha parecia não ter fim, não só por ser circular, mas pela intensidade das experiências vividas. Na parte baixa: o lodo, na subida: a trilha estreita e íngreme. Ao longo do percurso recebemos vários estímulos para viver sensorialmente a experiência.  Pedimos permissão à Pachamama para entrar na trilha; fizemos um desejo tocando as águas da lagoa dos desejos; abraçamos a montanha durante o movimento de um balanço gigante instalado no topo; experimentamos plantas indicadas pelo guia; sentimos cheiros e texturas; vimos cores variadas. No bosque de Polylepis havia uma trilha sonora que brotava de um habitat “selvagem” de altitude gerando sua própria assinatura, com uma quantidade de informações que comunica a vida e a dinâmica da Pachamama. A “orquestra” era formada com os sons do vento, das águas, dos insetos, dos répteis, das aves e de mamíferos (nós mesmo conversando e fazendo sons com as botas no solo lamacento).

Sentir medo de afundar ao caminhar por uma lagoa recoberta por plantas aquáticas nos fez respeitar o ambiente e entender seu equilíbrio “sutil”. Também nos fez respeitar os conhecimentos do guia, pois ele sabia por onde pisar. Seguimos seus passos. Sentir a pressão na cabeça, à medida em que altitude aumentava e o efeito do chá de sunfo diminuía, nos fez entender que estar na natureza não é necessariamente agradável, que há desafios a serem encarados; que há um respeito e quiçá uma superioridade da natureza frente a nós, ainda mais em ambientes extremos. Essas vivências trazem a noção de conexão sem abolir o sofrimento, a incerteza ou mesmo a imprevisibilidade que é estar no ambiente natural. Noções importantes que a cultura da alta performance [em tempos de modernidade líquida] nos convida a esquecer. A vivência estética nos faz interrogar o sentido da experiência e nos coloca frente a desafios pessoais e intersubjetivos no percurso da caminhada sem romantizar a natureza. Assim, a experiência também foi construída por contrastes e mal-estar. O solo lamacento no bosque repleto de água deu lugar a um solo pedregoso na parte íngreme da trilha, a queda d’água na cachoeira e o ambiente lêntico da lagoa; a textura fofa dos “frailejones” contrastava com os espinhos de bromélias (Clube de Hercules, Puya-clava herculis); os tons de verde mudavam ao longo da caminhada e afrontavam as pastagens e plantios das áreas externas à área de proteção. A água da cachoeira se destacava na paisagem e era possível observar do topo o percurso das águas na cachoeira, rio e lagoa. Tudo isso compôs minha experiência afetiva na caminhada.

A chegada ao ápice da trilha foi marcada pelo momento do brincar. No ápice havia um balanço gigante no qual os integrantes podiam se balançar orientados pelo guia e com equipamento de segurança. O brincar no balanço significou uma ruptura com atrativos naturais de trilhas, pois o balanço faz a chegada ao topo ser orientada/motivada por um elemento construído inserido no ambiente, mas que ao mesmo tempo proporciona a descontração e brincadeira. Vivenciamos expressões de espanto e surpresa ao estar no balanço indo e vindo em movimento pendular aproximando-nos de um penhasco e contemplando a vista de todo o percurso, vendo a trilha por outro ângulo, sentindo um vento frio no rosto e um “frio” na barriga por estar tão alto. Ter um momento de brincar, contemplar e agradecer agregou complexidade ao sentimento de realização da dura caminhada. 

As dimensões temporais do passado foram acessadas por meio das lembranças de outras experiências de caminhada nos relatos dos integrantes da equipe [caminhadas na Amazônia foram lembradas na comparação de níveis de dificuldades e performance, também a caminhada no páramo de Sumapaz na Colômbia foi lembrada pela similaridade de ecossistema – e é o maior do mundo!]. O futuro foi pensado em termos de valores constando-se as ameaças ao ambiente. Houve a indagação do porquê as árvores de Polylepis não estão se reproduzindo e como as mudanças climáticas podem afetar esses reservatórios de água, comprometendo a biodiversidade e a existência do próprio ecossistema. Ausências foram notadas sobre como as ancestralidades e as questões indígenas se fazem presentes na região, quais são as heranças e os conflitos atuais [ainda não sei o guia falou algo sobre isso]. 

Por fim, como não trazer a própria equipe que também interagiu entre si todo do tempo por meio fotografias, conhecimentos, solidariedade para carregar uma mochila, apoio e equilíbrio corporal no movimento da caminhada. Estivemos em um ambiente extremo, raro, vulnerável e único! Voltamos ao mesmo ponto de partida, mas não do mesmo modo como começamos a caminhada. Estivemos disponíveis para ser e para estar. Assim foi a nossa experiência particular na vivida na trilha em Polylepis.

Analisando as fotos

Tente reconhecer nas fotos abaixo os momentos mencionados ao longo da narrativa: 

Que legenda você daria para cada foto?

Alguns encaminhamentos de análise…

Escutar a natureza por meio da imersão durante uma caminhada da trilha é parte de um processo amplo de ser com a natureza a partir de bases não mercantis, a partir de significados subjetivos que são construídos na contemplação da natureza, na vivência desafiadora de estar em ambiente extremo, nas memórias de situações similares, nas trocas realizadas. A caminhada revela que o que foi subjetivamente valorizado na minha experiência também é carregado de apreensão, medo e mal-estar. Ainda, que tudo isso esteja ao lado do lúdico do brincar, da vista da beleza, do sentimento de superação, da recordação do momento de prazer permitindo um significado mais complexo do que é ser natureza e como percebê-la para além da lógica mercantil.

Os pontos que trago para reflexão se vinculam às experiências estéticas vividas no páramo visitado em Polylepis, mas podem ter aplicação prática mais ampla na elaboração de políticas de conservação, gestão e uso sustentável em outros ecossistemas vulneráveis, bem como na promoção de práticas de educação ambiental efetivas nessas áreas. A compreensão dos benefícios das trilhas educativas para a formação de subjetividades e a valorização dos direitos da natureza podem apontar para práticas locais na construção de identidades individuais e coletivas em interação na teia da vida. Quem sabe podemos aprofundar na temática ambiental essas metodologias autoetnográficas?

Referências bibliográficas 

Payne, P.; Rodrigues, C.; Carvalho, I.; Freire, L. M.; Aguayo, C.; Iared, V. G. Affectivity in Environmental Education Research. Pesquisa em Educação Ambiental, v. 13. Especial, p. 93-114, 2018.

Rodrigues, C. (2019). A ecomotricidade na apreensão da natureza: inter-ação como experiência lúdica e ecológica. Desenvolvimento e Meio Ambiente, 51. Seção especial: Técnica e Ambiente, p. 8-23

Tavares, C. M. S.; Brandão, C. M. M.; Schmidt, E. B. Estética e educação ambiental no paradigma da complexidade. Pesquisa em Educação Ambiental, São Carlos, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 177-193, 2009.

Publicado por: Laboratório de Limnologia/UFRJ | junho 15, 2023

A GEOMORFOLOGIA FLUVIAL COMO UMA ABORDAGEM INTEGRADA PARA A CLASSIFICAÇÃO DOS RIOS

Por Maria Eduarda Cosendey e Isabella Mendanha

O que aspectos da geomorfologia e a limnologia têm em comum? Sempre quando somos questionadas com o que trabalhamos na nossa pesquisa dentro do laboratório, as pessoas tendem a ficar um pouco perdidas com a nossa resposta.

“Estilos Fluviais!”. “Legal, mas o que é isso?”

De forma geral, elas nunca ouviram falar sobre o assunto, mas se mostram bem receptivas para saber um pouco mais do que se trata. E, se você também faz parte dessas pessoas que nunca tinham ouvido falar de Estilos Fluviais, mas ficaram curiosas, que tal aprender um pouco sobre essa linha de pesquisa com a gente?

Os Estilos Fluviais (River Styles) é uma metodologia utilizada para classificar os rios de acordo com suas características geomorfológicas e comportamentais. Essa metodologia leva em consideração toda a história evolutiva do rio, valorizando suas particularidades e entendendo que cada rio é único. Assim, diferentes tipos de rios apresentarão diferentes processos e formas de sensibilidade à mudança.

A metodologia foi desenvolvida por Gary J. Brierley e Kirstie Fryirs na Universidade Macquarie, em Sydney e tem sido utilizada como uma estratégia muito interessante para a gestão de rios na Austrália, Nova Zelândia, Estados Unidos, Índia e no Brasil. Na elaboração de boas técnicas para a gestão de um rio, é necessário entender a condição geomórfica que ele possui, quais são os seus pontos fracos e o seu potencial de recuperação. Com essa finalidade, os Estilos Fluviais oferecem métodos consistentes para a classificação dos rios, com uma série de etapas a serem seguidas para a aplicação das ações de restauração.

Para classificar os Estilos Fluviais, trabalhamos com características locais e regionais, que respectivamente, são aquelas que precisamos ir ao campo para observar, como as características das margens do rio e a granulometria do leito; e aquelas que são analisadas numa escala maior, como a declividade e o clima, através de programas de geoprocessamento (os famosos Sistemas de Informação Geográfica – SIGs). 

A metodologia de Estilos Fluviais é dividida em 4 fases:

Figura 1. Fases da metodologia de Estilos Fluviais. 

Tradução: Maria Eduarda Cosendey. Fonte: River Styles Framework

  1. Caráter e Comportamento do Rio

Esta é a fase inicial, onde cada rio é caracterizado por um conjunto distinto de aspectos, como suas unidades geomorfológicas, material do leito e forma em planta do canal. Nessa fase, queremos saber quais são os processos que ocorrem ao longo do rio, avaliamos os controles regionais e bacias hidrográficas, interpretamos quais são os controles sobre o caráter do rio e buscamos entender o seu comportamento, com a finalidade de mapear os estilos de rios presentes numa bacia hidrográfica.

  1. Condição Geomórfica do Rio

Na segunda fase, nos perguntamos se o caráter e comportamento do rio são esperados para aquele estilo de rio. Se os processos que ocorrem no rio estão fora do comum ou se estão acontecendo de maneira acelerada, por exemplo, o rio é considerado em más condições geomórficas. Para esta fase, precisamos determinar a capacidade de ajuste do trecho e avaliar a história evolutiva do rio (buscando entender se um rio teve alguma mudança irreversível ao longo dos anos), para assim determinar a condição geomórfica do rio.

  1. Potencial de Recuperação do Rio

Essa é a fase em que nos perguntamos: “mesmo com os fatores limitantes e as configurações nesta bacia hidrográfica, podem ocorrer melhorias na condição geomórfica em prazos em que possamos observá-las?”. Para responder essa questão, é preciso entender como o rio se ajustou no passado e como ele pode mudar no futuro. Precisamos avaliar o potencial de recuperação do rio e avaliar os fatores limitantes da recuperação.

  1. Aplicação de Gestão Fluvial

A última fase desta metodologia utiliza todas as informações coletadas nas outras 3 fases para identificar as condições alvo para reabilitação de rios. Nessa fase, ocorre a priorização de certas áreas onde as atividades de restauração provavelmente serão mais bem sucedidas. Além disso, ocorre o monitoramento e auditoria de ajustes na condição geomórfica do rio.

Dessa forma, entendemos que a metodologia de Estilos Fluviais é uma ótima ferramenta para restauração de rios, pois nos permite entender as interdependências que ocorrem entre as diferentes seções do rio, desde sua nascente até a foz, levando em consideração diversas características do rio de maneira hierárquica para a classificação dos seus estilos.

Sobre as autoras:

Maria Eduarda de Castro Cosendey Alves atualmente é aluna de mestrado no programa PPGCIAC, atua na Limnologia UFRJ, orientada pelo Dr. Reinaldo Bozelli e co-orientada pelo Dr. Rodrigo Félix. Sua dissertação possui o título de: ” Grau de suscetibilidade e potencial de recuperação de igarapés amazônicos adjacentes a áreas mineradas na Floresta Nacional de Carajás no Pará”.

Isabella Mendanha Ferreira atualmente é aluna de graduação em Ciências Biológicas (bacharel, com ênfase em meio ambiente) do NUPEM/UFRJ, cujo título da monografia é “Classificação de Estilos Fluviais de trechos de igarapés sob influência de mineração de ferro na Floresta Nacional de Carajás, Pará”, também orientada pelo Dr. Rodrigo Félix. Isabella também atua na Limnologia UFRJ.

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